sábado, 28 de dezembro de 2013

Melancolia









São garras agora
estes dedos
que ontem
julgavam ter
eternizado
a ternura
na tua face

E estes lábios
antes abertos
em dádiva perene
agora se quedam
ferozmente aferrolhados.

São pérolas
perdidas
d'oravante
no vago
estes olhos antes
insaciáveis de tudo

e dos teus ainda mais.






Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Memória Inconsumível"


Foto - Guilherme Afonso








sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Enjoo







Passeando a tristeza,
adiando o suicídio,
ando por aí,

Cismo
na vida
e na coragem
que não tenho
para ir por aí fora
afastando-me
cada vez mais
das raízes
que nalgum lado criei.

E deter-me somente
onde haja uma criança
a chorar.

E deter-me somente
onde haja uma seita
a combater.

E deter-me somente
onde haja uma mulher
ansiosa por se dar
... logo passando adiante

Pelo caminho,
falaria aos pássaros,
falaria às árvores,
falaria à chuva,
falaria ao vento,
sem ter de pensar
no que diria.

Daí nascendo
- quem sabe? -

a poesia.





                                                             
Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pessoal e Intransmissível"









quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Angústia







No trespassar lento
do tempo histórico
ficam pelo caminho
das vozes repetidas
no clamor do silêncio
os gritos para dentro
de muitos sonhos

despedaçados.









Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo " Pessoal e Intransmissível"

Foto -    queconceito









quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Crepúsculo







Já a vida não desliza
Vai aos solavancos
Conforme o tempo e o lugar
do que à memória ocorre

Porque o presente decorre
vazio de afectos
isento de sobressaltos
morto de quimeras

É viver por viver
sem fim e sem alegria
com os dias a esvaírem-se

afundado em nostalgia.







Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Memória Inconsumível"











terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Canto do Cisne








Na taciturna textura envolvente 
que mata a gente
este é o canto
que eu canto
porque a minha voz
se perde no íntimo
de mágoas presas
a um tempo quimérico
de sonho sonhado

para outros voos.







Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo " Pessoal e Intransmissível"








segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Virulência







Vida sem sal
Vida sem sol

Escasseia-lhe o tempero
O vento a fustiga


Porca de vida!







Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pessoal e Intransmissível"











domingo, 22 de dezembro de 2013

Música







Trovões vibrando
ns voz violenta
embebida de nuvens
inebriantes de ousadia,
eu vos saúdo do recôndito
da minha sonora  melancolia.









Do livro "Memória Inconsumível" -  Capítulo "Pessoal e Intransmissível"









sábado, 21 de dezembro de 2013

Perseverança








Persisto
Insisto
Resisto


E não sairei disto


Venda-se quem se vender
Traia quem trair
Subverta-se o que se subverter


Porque não tranquilamente
como tenho vivido
quero morrer


Que não será morrer
mas ir-me embora
so(briamente).







Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pessoal e Intransmissível"

Foto -  Sapo 





sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Passarões e Passarinhos







Pássaros empoleirados no galho
repousan aprovisionados dos grãos
que outros produziram mas não comeram


Refastelam-se
Sacodem as asas
Espreguiçam-se
Olham distraídos a paisagem



Usam camuflagem no canto
Voam serenamente nas alturas
Desdenham os piares doloridos
dos que encolhem o papo



Pássaros grandes 
Pássaros pequenos
Necessidades de equilíbrio
ornitológico



Grãos grandes
Grãos pequenos
Necessidades de equilibrio
Sociológico.








Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pássaros e Passarinhos"






quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Grilhetas








Esfíngicos labirintos
de morte
penetram nos interstícios
da vida


Porque anátemas de pecado original
ou  estigmas de perversão
visam igualmente
os delírios da sublimação


Porque medos ancestrais
grávidos de ignorância
parem fantasmas hodiernos
com a mesma substância


Porque o mesmo espantalho
sob camuflagens várias
emprenham a eternidade
com farsas contestárias


Porque em gaiola pequena ou grande
de arame ou de ferro dourado
dentro dela se atrofiam as asas

do tempo embalsamado.







Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pessoal e Intransmissível"







quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Rataria




Austero
no seu eterno retorno
o Sol aparece e desaparece
alheio aos ratos
que se multiplicam
nos paradisíacos buracos
de que o mundo está cheio





Do Livro  "Memória Inconsumível" - Capítulo "Passarões e Passarinhos"
Fonte -  outraspalavras    


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Cenas Parlamentares




Tristeza tão grande
ver energúmenos
alcandorados a gente

Tristeza tão grande
ver quizumbas hediondas
babando peçonha

Tristeza tão grande
ver abutres saltitantes
de forma humana

Tristeza tão grande
ver bípedes
quadrúpedes

Tristeza, 
só tristeza,
ver chegar tão baixo
quem se diz homem,
quem se diz mulher

Não!...
A espécie
a que pertenço
não pode ser isto!




Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Passarões e Passarinhos"



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Lutar







Lutar contra o mando
e contra a subserviência


Contra a hipocrisia
e contra o altruísmo idiota


Contra o preconeceito
e contra a ignorância


Como quem esventra a terra com a enxada
Como o semeador abrasado pelo sol
Como o desportista pletórico para a meta


Até o cabo da enxada escorregar das mãos
Até o braço não ter força para espalhar a semente
Até ser campeão.







Do livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Pessoal e Intransmissível"


Foto -  presseurop   







domingo, 15 de dezembro de 2013

As palavras







As palavras escorrem rápidas
com a língua fazendo de ponte
entre a glote e o palato


Mas isso pouco tem a ver
com o que elas são ou querem dizer


As palavras
nascem
crescem
e morrem


Há palavras
que nascem
crescem
e morrem
sem que alguém
tenha dado por elas


Outras, coitadas!
Faz-se com elas
tanto alarido
que acabam mesmo
por não dizer nada


Levam pontapés
são torcidas
espremidas
usadas
abusadas
que até metem dó


Algumas têm quem as defenda
e defendem-se elas próprias
oferecendo resistência
à pestilência cosmética
sedenta de idolatria


Há palavras muletas
e palavras amuletos
há palavrinhas e palavrões
podendo cada uma
ser isto ou aquilo
conforme as bocas
e as ocasiões


Uso se faça pois da palavra
mas sem abuso


Socialismo é socialismo
Tudo o mais são fantasias
dos adeptos do plural-capitalismo


Democracia é democracia
Não tem nada a ver
com mental paralisia


Liberdade é liberdade
Não é manigância
de quem joga na ambiguidade


Amor é amor
coisa que até rima
com flor


Poesia é poesia
faz-se com palavras

paridas na dor e na alegria








Do Livro "Memória Inconsumível" - Capítulo "Interlúdio"